Chico Corrente



Chico Corrente made his passage on January 10, 2012. He was a beloved and humble Padrinho who impacted the lives of many many daimistas around the world. Viva Chico Corrente!
Extratos do Livro das Mirações
Alex Polari de Alverga
Editora Rocco, 1984
(segunda edição Editora Record/Nova Era, 1993)

Meu primeiro diálogo com o Chico Corrente na Colônia Cinco Mil, em junho de 1982, antes do Hinário de São Pedro:
- O que nós queremos é a Verdade. Assim na terra como no céu. O mestre foi quem disse. Se o Cristo é a ponte, o mestre é a seta, é a luz que indica o caminho... (respirava fundo e levantava as mãos como um pregador dos primeiros tempos do cristianismo). Quem segue os pés do Mestre agora, já esteve por aqui encarnado. A gente aqui trabalha para chegar a Deus, dando testemunho de nossa batalha. A casa é de todos, o dom de cada um. É Deus quem vem dando capacidade pra tocar pra frente, e tudo foi dando certo. Para nós, o Daime não é um líquido, é maneira desse ser espiritual se manifestar para nós. Ele também faz toda a sorte de curas, só não cura sentença!
- Eu só não entendo uma coisa, Chico – lá ia eu teorizando...
- Não adianta falar muito, irmão. Hoje no Hinário de São Pedro, se tiver pra você, você vai enxergar.
Sorriu com os poucos dentes restantes. Vi novamente o índio, ou melhor, o feiticeiro asteca, o anacoreta na caverna. Tomei a resolução de procurá-lo mais tarde, antes do Trabalho de São Pedro. Fiquei com a sensação visível, e ao mesmo tempo desconfortável, de que o Chico já sabia de tudo que ia acontecer logo mais comigo.
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Depois do Hinário de São Pedro:
Nisso, chegou o Chico Corrente. Já sentira que ele ia chegar e eu estava aguardando esse encontro, ansiosamente. Ao mesmo tempo, tinha dúvidas se deveria crivá-lo de perguntas. Ele já me tinha dito, lá embaixo, na cacimba, que sabia o que eu mirara. Tinha lhe dito, por alto, das minhas mirações e da importância com que ele me apareceu durante o trabalho. Só não lhe contei que, mesmo lhe considerando uma espécie de anjo da guarda, o tinha visto na forma de um diabo. Pormenor secundário, pois, no íntimo, eu acreditava que ele sabia de tudo que tinha se passado comigo naquela noite.
- Chico, todo mundo vê uma coisa semelhante na miração?
Ele pitou sem pressa, fez uns arabescos com a fumaça, fechou os olhos e, quando eu pensei que ele não fosse mais me responder, disse:
- É incrível, né? Eu costumo dizer, não é incrível, mas que é “crível”. Tudo é possível, dentro desse Poder, mas o melhor ainda é não ter pressa... o que você viu, tá visto, mas vai ser preciso voltar e retificar. Algumas coisas ficam, outras se vão, o candidato está preparado. Só assim se retifica, se sabe se aquela graça é para aquele irmão mesmo.
- Quer dizer, Chico, que a gente pode, sem querer, sintonizar na miração do outro?
- Não disse isso. Se veio é para todos, o Mestre não é de egoísmo... mas tem irmão que se incandeia todo na própria luz, acha que só ele recebeu aquela luz... que ele é o único, aquele ser visitou só a ele.
- Aí toma uma peia braba, né? – me apressei em concluir.
- Seria o lógico, mas o Mestre é um ser importante e responsável. Ele impõe a disciplina mas também respeita a convicção. Aquele irmão ali se acha o único? O Daime também dá esse poder a ele. Poder de poder se julgar, errado ou certo, poder de querer poder. Para ser isso ou aquilo.
- Quer dizer que o Daime pode deixar o cara na ilusão de que está certo e, ainda como requinte, aparentar sinais de que está confirmando aquele julgamento falso que o irmão está fazendo sobre si mesmo?
Chico fez um gesto com as mãos e recomeçou:
- Taí, você entendeu depressa. Às vezes, ele mostra logo o erro para poupar você da disciplina. Outra vez, testa seu orgulho. Quando, lá adiante, o irmão se der conta... a peia será maior. Ou, talvez, só compreender o tempo perdido já seja peia suficiente. Por isso que eu digo assim: nenhum irmão deve achar que só ele viu aquilo. Muito já viram aquilo e muito mais além daquilo. Só que não saem por aí espalhando.
- Pois é, tá sendo muito legal esse nosso papo aqui. Desde que terminou o trabalho, alguma coisa me disse que era contigo que eu tinha que conversar primeiro.
Chico sorriu. Sabia que era senhor da situação. Disse assim:
- A gente vai de pouquinho, porque muita pergunta atrapalha. E não tá na hora ainda de falar de muitas coisas. Tem coisa que não é para se explicar fora do Daime.
Contei, já temeroso de estar esgotando a conversa, das minhas fantasias de reencontrar o Inca da miração. De levar um Daime para tomar em Machu Picchu, em dezembro. Ele me ouviu com atenção e sentenciou:
- Tenho por mim que o irmão que o senhor quer encontrar – esse índio – tanto faz que lugar vai ser.